Após os eventos climáticos que atingiram o Rio Grande do Sul deixando um rastro de destruição, a realização do 26° Pavilhão da agricultura familiar na tradicional Expointer ficou ameaçada. Seja pelas águas que atingiram o Parque de Exposições Assis Brasil, seja pelos impactos das chuvas na produção.
Muitos agricultores e agricultoras expositores do Pavilhão da Agricultura Familiar sentiram na pele a dor e a angústia de perdem familiares, amigos, a produção, os meios de produção, suas casas, entre outros. Segundo dados da Emater, 206 mil propriedades rurais foram afetadas atingindo todos os ramos de comercialização.
Shaiane Kaiper, conta que saiu de casa, com seus dois filhos, para um abrigo da prefeitura ainda no início das cheias enquanto o seu marido, Eneas Kaiper, tentou salvar um pouco da produção. “A gente ergueu os móveis de dentro de casa e como temos caminhão, conseguimos colocar algumas coisas dentro dele. Estávamos acampados na beira de uma ponte, onde a água nunca tinha chegado. Quando vimos que iria atingir, perto da uma da manhã peguei meus filhos e fui para um abrigo da prefeitura, que era o lugar mais perto para ir.”
De barco, Eneas conseguiu salvar ainda algumas coisas da produção, enquanto ficou acampado dentro do caminhão da família. “Algumas coisas ficavam no alto e outras Eneas conseguiu salvar, porém perdemos em torno de 50% do que tínhamos de material. O motor para lixar os porongos ficou dentro d’água porém conseguimos salvar depois. Meu marido ia até o galpão, pegava os materiais que podia e levava até a BR dentro do caminhão que estava acampado.”
A dificuldade em retornar para casa foi a destruição encontrada, a casa que a família mora foi destruída, caindo paredes, janelas e portas. O galpão utilizado na produção das cuias também caiu e precisou ser reconstruído. Foi ali que começou a corrida contra o tempo na esperança de conseguir participar de mais uma Expointer.
“Expointer, vai ter? Vai ter. O que a gente vai fazer? Se a gente reformasse tudo para poder produzir, não daria tempo pois faltava apenas um mês. Então, a gente disse não, a gente vai ter que improvisar um canto aqui para poder produzir e ir para a Expointer. A quantidade que iríamos produzir a gente ainda não sabia mas conseguimos trazer pelo menos metade da nossa meta, mil peças.”
A esperança vem da união entre os amigos e os feirantes, que realizaram uma rede de solidariedade para ajudar na reconstrução da vida após esse evento tão severo.
“Eu digo que a Expointer é muito além de uma feira. Que nem a gente, dez anos. Dez anos conhecendo o pessoal, fazendo amizades, resulta no apoio que a gente recebeu dos amigos expositores, da FETRAF também e isso nos deixa alegres e felizes porque faz a gente ter mais certeza que a gente não estava sozinho. A feira é o momento de tu reencontrar aqueles rostinhos que, às vezes, tu vê só na feira, dar aquele abraço e agradecer toda a ajuda recebida.”
Os eventos climáticos extremos, como o que atingiu a família Kaiper se mostram cada vez mais frequentes e devastadores. A ação humana e a devastação do meio ambiente são as causas centrais que causam o desequilíbrio que resulta nesses eventos. Segundo um artigo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), os eventos climáticos extremos “causam perdas materiais, humanas, animais, danos ao meio ambiente e risco à saúde”. Dessa forma, precisam de medidas preventivas e estudos socioambientais para diminuir seus impactos.
A agricultura familiar tem uma grande missão frente a preservação do meio ambiente, visto que, em contraponto ao agronegócio, traz em suas características métodos de produção menos invasivos e com maior capacidade de preservação ambiental. A agroindústria Erva Mate Gerações é um grande exemplo de produção aliada com consciência ambiental.
Gabriel Zanotto explica que utilizam sistemas agroflorestais e a preservação da mata nativa para auxiliar na produção e preservar o meio ambiente. “Na nossa propriedade tem cerca de 10 hectares de mata nativa onde estão os nossos ervais nativos. As árvores de erva mate são originares daquele local mesmo. Então a gente trabalha uma forma para fazer o extrativismo da erva mate de forma sustentável, com todo o manejo correto para não afetar e não matar a planta e aliado a isso também a preservação da mata nativa porque ela serve de suporte para a erva mate e condicionando o ambiente para que ela cresça e se desenvolva.”
Os sistemas agroflorestais combinam as culturas agrícolas ou forrageira com árvores e mata nativa. Esse sistema permite que a fauna e flora possam conviver em harmonia com o plantio agrícola. A erva mate por exemplo cresce e se desenvolve muito bem na sombra sendo que associação com árvores que oportunizem esses espaços trazem benefícios para toda a produção.
“Aí vem todos os princípios da agrofloresta e as coisas boas que a ela traz como cobertura de solo, questão de que fica mais frio, menos calor no sistema agroflorestal, porque tem toda a proteção da árvore, também tem recuperação de nascentes, recomposição e profissão de solo no meio desse sistema além da conservação de espécies nativas que também são de interesse, como pinhão, bracatinga para lenha, araçá, frutas nativas.” explica Gabriel.
A associação de sistemas de manejo agroecológicos é um dos desafios da agricultura familiar. A FETRAF-RS vem buscando alternativas de migração para um sistema produtivo ambientalmente responsável como o SPDH+ aposta da federação. Essa busca vem da necessidade de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e o abrandamento de suas consequências, porém é necessário o envolvimento de todos os setores da economia para que possa haver reais mudanças.
Estes agricultores familiares representam a força e a persistência da agricultura familiar gaúcha, que ao longo de suas vidas aprenderam a transformar dificuldades em força para a superação. “É uma alegria muito grande para a FETRAF-RS poder contar com a participação destes guerreiros na Expointer, eles servem de exemplo e motivação para os que precisam reconstruir suas vidas, transmitem um sentimento de que é possível superar e construir um estado ainda mais pujante.”